A ultima reunião

         A única certeza na vida, é o antônimo...

         Desde que nascemos, logo surge a contagem regressiva para a sepultura, é triste, mas é real.

         Existe um evento que só acontece depois da morte, é a reunião do lamento, conhecido como velório. São as ultimas homenagens prestadas ao ente que agora se envereda por um caminho sem volta, sai deste mundo que veio sem pedir, e vai  para o outro mundo sem querer...
           Como quero focalizar o velório, farei com denodo as evidencias desta reunião tão importante para os vivos, tins, claros, ois...

          A reunião de velório é boa, o único problema é que tem um morto lá.
          O velorio hoje em dia tornou se ponto de encontro, passou a ser um evento importante, se pudessem programar, fariam convite com lacinhos e envelopes com todo requinte, alugariam uma chacara, contratariam um buffet e tudo mais.
          É uma pena ter que ser tudo tão rapido.
          Ultimamente tenho ido em muitos lamentos, a gente vai ficando velho e os conhecidos se vão, e quanto mais velhos ficamos, mais lamentos temos que ir, fico intrigado de que pessoas que nunca havia morrido antes estão morrendo agora, é uma coisa de dar medo, poucos dias fui no lamento de um amigo de infancia, o J.... Martins. Tocamos clarinete juntos na  banda de musica, ele tocava na partitura da PRIMEIRA CLARINETE,  E eu na SEGUNDA Clarinete, ele foi primeiro presidente da mocidade, eu fui vice presidente, cantamos junto no conjunto ELION, ele era primeira voz e fazia solos, eu segunda voz e nunca fiz solo, eu trabalhava na farmacia de balconista, ele era caixa no banco Itau, na vida sempre fiquei em segundo lugar, no lamento eu nem reclamei.
            O fato é que no velorio, o mais importante para os presentes, nem sempre é o ente que se foi, quando alguem volta de um velorio logo perguntamos:
             - Quem estava la?
             - Foi alguem importante?
             - Quem dirigiu o culto funebre?
             - O que tinha de comer?
             - Com que roupa você foi?
             Gente é um velorio, é as ultimas honra ao ente que se vai, que perguntas são essas? Mas na verdade não dá pra fazer muitas perguntas sobre o morto como se fazem em um casamento, tipo:
            - Como estava o morto?
            - Bem morrido.
            - O terno dele era de marca?
            - Ele estava com uma feição boa?
            E por ai vai... 
            Devido a um numero expansivo de lutos nestes ultimos dias, eu ouvi alguem dizendo a seguinte frase:
            " O velorio do fulano de tal, estava mais animado que o velorio do sicrano" (velorio animado? que porcaria é essa de velorio animado?)
            " O velorio mais bem organizado foi o da L.... viu como estava o arroz, aquela almodega estava uma delicia, fizeram um almoço e tanto" 
             É TANTAS considerações que o que mais atrapalha o velorio é o morto...
             Uma das coisas que você nunca pode fazer, é chegar na viuva e perguntar:
             - Oi tudo  bem?
             A viuva responde:
             - Tá tudo bem, só meu esposo que morreu, eu estou desorientada,  o mais tá tudo bem!
             Velorio e suas etiquetas, se o morto estivesse vivo, ele nem queria estar lá, porque tem tanta gente que vai e nem entra até o centro pra vê lo, na verdade as pessoas vão pelos que estarão lá...
             No lamento do Lombardi, todos ficavam na expectativa de ver o Silvio Santos entrando.  Gente as honras é do Lombardi, mas veja que nos preocupamos com os outros.          

          Tem um caso interessante, de um rapaz que se apaixonou por uma moça em uma reunião de velório, sem ter como aproximar dela, ele deixou passar e nunca mais a viu, mas ele ficou intrigado e decidiu matar um parente mais proximo do defunto, pra ver se ela aparecia no velorio seguinte, lá estava a pessoa, que mexera com seu coração.

             Mas a reunião do velório tem sido tão enfocada, que ninguém aparece mais no chá de berço, no aniversario, chá de panela, chá de fralda, chá de cozinha, despedida de solteiro mas se for velório, pode ter certeza, vai estar todo mundo da família. No velório não precisa levar presente, eis o motivo porque todo mundo prefere este evento.

                 Outro dia faleceu um pastor veterano das Assembléia de Deus aqui no estado de Goiás, pastor renomado, logo surge a noticia de onde seria o lamento. Eis o dialogo:

                - Você ficou sabendo que o Pr. Fulano de Tal das Tantas Neves, morreu?

                - Sim, onde vai ser o lamento?

                - Na igreja de tal lugar.

                - Quem vai estar lá?

                Na verdade ninguém esta importando com o ente que será velado, querem saber se o pastor chefe vai estar lá e que horas vai ter mais gente, querem ficar perto do chefe, é nesta reunião que se aproxima dos importantes menos acessíveis. Gente e a memória do morto?

                 Nestas reuniões é o lugar preferido para fofocar, ficar olhando  quem veio, e falar de quem não veio, lugar de contar piadas
            Reunião de casamento, aniversario, despedida de solteiro é só umas duas horas e pronto.

           Mas o velorio é um dia todo, uma noite toda e meio período do outro dia. Dá pra contar um estoque de piada.
            O procedimento é o seguinte:

            “Você entra, cumprimentar todo mundo com um ar de quem está sentindo muita dor, ir até o centro, olhar para o ente, baixar a cabeça com muito pesar, balançar um pouquinho a cabeça como se dissesse não, ou porque? e pronto”.

             Agora é só sair e procurar a turma mais animada e começar a falar de coisas interessantes a terceiros e contar piada. Ficar vendo quem veio, e falar de quem NÃO veio, pedir um menino pra buscar um cafezinho e cumprimentar a todos que passam com um silencio repentino.             

               Luto que vai o prefeito, pessoa importante, quando vai o governador mais importante ainda, o duro é quando o prefeito manda o vice, sinal de desprezo, e quando o vice manda o ASPONE (Assessor de porcaria Nenhuma) ai é pra cabar mesmo.

               Pois bem, no meu tempo de criança, as pessoas ficavam mais tempo nos velórios, haviam mais gente chorando, as pessoas passavam a noite velando, era uma cerimônia respeitada. Hoje se demorar enterrar, o ser que está dentro do caixão fica sozinho na sala, todo mundo vai dormir e o deixam lá.

               Não existe mais  consideração pelo semelhante, são corações endurecidos pela pratica da iniqüidade, é o pai de família que ainda está no caixão enquanto os filhos já estão fazendo planos com a herança, é um pastor presidente que está sendo enterrado por aqueles que almejam ficar no lugar que antes era seu, de olho no patrimônio.

              Se é dificil amar enquanto está vivo, imagina quando morre? Acabou aquela historia de ficar visitando o tumulo, colocando flores e etc. Morreu enterrou, vamos lá só no dia, depois nunca mais.

             José antes de morrer disse aos seus filhos.

             - Quando vocês deixarem o Egito, desenterre os meus ossos e os retire daqui.

              Passado duzentos e cinquenta anos, Moises lidera o Êxodo, e os tatatataranetos de José pegou uma pá, cavou onde estava os ossos deste patriarca, arrancou  um por um, o radio, a bacia, a falange, a clavícula pois num saco e os levou para a terra que Deus havia prometido...

             Pois bem... Tem 32 dois anos que meu avô faleceu, nem me pergunte onde está os ossos dele. A casa que eu construí e moro nela, daqui a cinqüenta anos, vai estar outras pessoas morando nela que não se  lembraram,  e nem saberão quem  foi EU...

          Mortos enterrem os teus mortos, pois a vez de vocês ja ficaram para traz, e seu velório...   Lembro só das piadas.